Construção de instrumentos em Portugal
- Nuno Margalha
- 14 de jun.
- 3 min de leitura

Portugal é um país com mais de mil bandas filarmónicas activas, espalhadas de norte a sul do território, a maioria desempenha um papel essencial na educação musical, na vida comunitária e na preservação do património cultural. No entanto, quase todos os instrumentos que estas bandas utilizam são fabricados no estrangeiro. Clarinetes, trompetes, saxofones, tubas, bombos, pratos e timbalões chegam de fábricas da Alemanha, França, Japão, Itália ou China. A construção nacional de instrumentos para banda é praticamente inexistente, limitada a oficinas de percussão artesanal e a raros exemplos de luthiers dedicados a instrumentos históricos ou educativos. Esta realidade contrasta com a riqueza musical das bandas portuguesas e levanta questões sobre soberania técnica, sustentabilidade e memória artesanal.
As bandas filarmónicas utilizam principalmente instrumentos de:
Madeira: clarinetes, flautas, saxofones, fagotes;
Metais: trompetes, trompas, trombones, bombardinos, tubas, sousafones;
Percussão: timbalões, caixas claras, bombos, pratos, xilofones, tímpanos.
Estes instrumentos, pela sua complexidade mecânica e acústica, requerem processos de fabrico altamente especializados, que em Portugal nunca chegaram a consolidar-se em escala industrial, ao contrário do que acontece na Alemanha, França, Itália ou Japão.
O que se produz (ou já se produziu) em Portugal?
1. Percussão artesanal
Algumas oficinas e ferreiros em Trás-os-Montes, Ribatejo ou Beiras ainda produzem bombos, caixas e pratos tradicionais, usados tanto em bandas como em grupos de bombos e ranchos folclóricos.

O projecto Sons da Música, desenvolvido pelos construtores Mário Estanislau e Vítor Félix, que mantém actividade comprovada na construção artesanal de instrumentos. A sua oficina constrói:
oboés barrocos (incluindo uma réplica do modelo Eichentopf, em afinação 415 Hz, com base num exemplar do Museu Nacional da Música),
ocarinas e flautas de estudo,
outros instrumentos de sopro tradicional ou educativo.
Estes construtores actuam profissionalmente e mantêm presença institucional no site sonsdamusica.pt.
2. Manutenção e afinação
Embora não se fabriquem clarinetes ou trompetes em Portugal, existem técnicos qualificados que realizam:
reparações de chaves e pistões,
afinação e alinhamento,
substituição de rolhas e sapatilhas,
lacagem e niquelação.
Algumas oficinas reconhecidas:
– Salão Musical de Lisboa – Desde 1958, fundado com o propósito de “reparação e fabrico de instrumentos musicais de sopro” e referência técnica para bandas civis e militares
– Companhia dos Sopros – Instrumentos Musicais, Lda. – Dedicada à “venda, manutenção e reparação de instrumentos de sopro e percussão”, com atelier em Albergaria‑a‑Velha
– D. Caeiro, Lda. – Especialista em “reparação de todo o tipo de instrumentos musicais de sopro e de chaves” num atelier bem equipado, em Lisboa
– BrassFeelings – Loja e oficina que inclui “manutenção e reparação de instrumentos musicais”, especialmente metais, localizada na Ramada
– Sopros Luthier – (Lista de oficinas portuguesa menciona endereço em Maiorga, Alcobaça) – centro técnico especializado em reparação de sopros
– Gama’s Saxophone Repair Shop (Gamasax) – Oficina dedicada à “reparação de saxofones & instrumentos de sopro” na zona do Porto/Santarém
– Ritmos e Minúcias – Especialistas em “reparação e manutenção de fagotes” (moveram-se do Porto para Guimarães recentemente)
– Missom – Construção e manutenção de percussão tradicional e filarmónica, com base no Porto
– Sons da Música – Projeto de construção e restauro de oboés barrocos, flautas e ocarinas em Maceira (Torres Vedras)
3. Construtores históricos (desaparecidos)
No início do século XX existiram pequenas tentativas de construção local de instrumentos de sopro (ex.: alguns alfaiates ou marceneiros que transformavam tubos em clarins ou pífaros), mas nenhuma se profissionalizou.
A Realidade: Quase Tudo é Importado
Hoje, praticamente todos os instrumentos de banda filarmónica em Portugal são importados.
As marcas mais utilizadas são:
Yamaha (Japão) – fiável, durável, com boa assistência técnica;
Buffet Crampon (França) – clarinetes de qualidade;
Jupiter, Bach, Conn, Selmer (EUA/Europa) – metais e saxofones;
Adams, Majestic – percussão de concerto;
Stagg e Thomann – instrumentos mais acessíveis para iniciação.
As bandas dependem de lojas especializadas, como:
Cardoso & Conceição (Lisboa),
Egitana (Covilhã),
Musicópolis (online),
Loja da Música (Porto),…e de intermediários com contactos internacionais.
Oportunidade Estratégica
Apesar da dependência externa, o contexto português poderia beneficiar de:
Iniciativas individuais capazes de contribuir para o desenvolvimento da construção e reparação de instrumentos;
Incentivos públicos à criação de oficinas locais de montagem, manutenção e restauro;
Parcerias com marcas internacionais para montar instrumentos em Portugal com mão-de-obra qualificada;
Criação de cursos técnicos profissionais para formar jovens músicos em manutenção de instrumentos, como forma de gerar emprego e garantir a autonomia das bandas.
Portugal é um país de músicos e de bandas, mas não de construtores de instrumentos filarmónicos. Esta realidade impõe custos elevados, dependência logística e fragilidade técnica. No entanto, com a crescente valorização do património musical e artesanal, existe margem para reconstruir competências técnicas perdidas, fomentar a reparação especializada e até, a médio prazo, lançar uma pequena indústria nacional — começando pela percussão e pelos metais mais simples.
As bandas filarmónicas não precisam apenas de músicos: precisam também de quem lhes devolva o som, peça a peça, chave a chave, tubo a tubo.
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