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John Cage: O concerto mais longo do mundo


O mais longo concerto do mundo teve início em 2001, termina em 2640, decorre na igreja de St. Burchardi em Halberstadt, na Alemanha, e foi composto por John Cage. É um concerto demorado, tocado automaticamente por um órgão construído propositadamente para o efeito. As mudanças de nota são raras e implicam a remoção de tubos metálicos perante uma plateia divertida que aclama efusivamente o acontecimento. São 639 anos de concerto, pode dizer-se que o andamento deste concerto é um único, gravíssimo.



Gravíssimo é o nome do andamento musical com menos batidas por minuto, menos de 19. Diz-se deste andamento que é lento. Lento por oposição ao andamento normal, moderato. Mais rápidos que os moderato são os allegro ou os vivace. Sentimentos graves, mais solenes, opõem-se a sentimentos rápidos, mais alegres. A música relaciona sentimentos com andamentos a um ponto em que não se compreende se é o andamento que forma o sentimento ou se é o sentimento que forma o andamento. Um não existe sem o outro. A condição de ser grave implica sempre lentidão, mesmo na física, o termo gravidade foi escolhido para designar a força que nos puxa para baixo. Aquela que desde Einstein sabemos que faz com que o tempo seja mais lento na planície, onde a gravidade é mais forte, do que na montanha. O que na realidade faz com que os nossos pés sejam mais velhos que o nosso cabelo. O tempo não é único, mas tudo o que é grave é sempre mais lento.

A peça foi originalmente escrita para piano em 1985, mas adaptada para órgão em 1987.

O título, As Slow As PossibleTão Lento Quanto Possível – não é uma metáfora: é uma instrução literal para que a obra seja interpretada da forma mais lenta possível, dentro das limitações do instrumento e do contexto.



Essa proposta abriu caminho para um projecto monumental. Em 2001, na cidade de Halberstadt, na Alemanha, iniciou-se uma execução da peça que deverá durar 639 anos, com a sua conclusão prevista para o ano 2640.


Porquê 639 anos?

A escolha da duração não é arbitrária. Em 1361 foi construído o primeiro órgão moderno conhecido em Halberstadt, exactamente 639 anos antes do início do projecto, em 2000. Este número serviu como ponto de partida para calcular o tempo total da interpretação.


O órgão que não respira

O concerto decorre na igreja de São Burchardi, um edifício desacralizado adaptado para acolher esta performance contínua. O instrumento em questão é um órgão especialmente construído, sem foles tradicionais, alimentado por um sistema de ar comprimido constante.

As suas notas, uma vez activadas, podem permanecer a soar durante meses ou anos.

As mudanças de acorde são raras e solenemente assinaladas: a última ocorreu em 5 de Setembro de 2020; a próxima está prevista para 5 de Fevereiro de 2026. Estes momentos congregam multidões de curiosos e melómanos de todo o mundo, que assistem em silêncio a um som que muda, quase imperceptivelmente, mas com significado.


Silêncio e eternidade

Mais do que uma peça musical, Organ²/ASLSP é uma reflexão sobre o tempo, a paciência e o papel do ouvinte. Numa era marcada pela rapidez e pelo imediatismo, esta execução recorda-nos que a música pode também ser uma meditação prolongada sobre a efemeridade da vida e a vastidão do tempo.



John Cage: O Compositor do Silêncio e do Acaso


John Cage (1912–1992)


John Cage foi um dos mais influentes e controversos compositores do século XX. Norte-americano, revolucionou a música ao questionar os próprios limites do que se pode considerar som, silêncio ou composição. Mais do que notas, Cage procurava possibilidades.


O seu nome está inevitavelmente ligado à peça “4’33” (1952), em que um intérprete permanece em silêncio durante quatro minutos e trinta e três segundos.

Não há uma única nota tocada — e, ainda assim, há música.

Para Cage, o silêncio nunca é absoluto: o som do ambiente, o tossir da plateia, o ranger de cadeiras… tudo isso passa a ser ouvido como parte da experiência musical. Esta peça é uma provocação e, ao mesmo tempo, uma profunda meditação sobre a escuta.


Discípulo de Arnold Schoenberg, Cage partiu da música serial para explorar os sons não convencionais, criando obras com pianos preparados (instrumentos alterados com objectos entre as cordas, como parafusos, borrachas ou papel) e inventando métodos compositivos baseados no acaso. Influenciado pelo zen-budismo, pelo I Ching (livro chinês de sabedoria) e pela arte aleatória, passou a ceder o controlo das suas obras ao imprevisível.


Entre as suas obras mais emblemáticas estão:

  • Sonatas and Interludes (1946–48), para piano preparado, evocando percussões asiáticas.


  • Music of Changes (1951), composta através de operações do I Ching.



  • Imaginary Landscape No. 4 (1951), para doze rádios manipuladas ao vivo.


  • E o monumental projecto Organ²/ASLSP ("As Slow As Possible"), uma peça para órgão cuja interpretação mais célebre decorre na Alemanha e durará 639 anos, até ao ano de 2640.



John Cage foi compositor, filósofo, poeta, pensador. Questionou o papel do artista, da audiência, da intenção, e do som.


Ensinou que ouvir é mais importante do que julgar. Que o mundo está repleto de música, se estivermos dispostos a escutá-la.

A sua obra é um desafio estético, um convite à atenção plena. Uma lição sobre liberdade, presença e aceitação do acaso.



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