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Tempo Rubato - Roubar o tempo ao futuro

Atualizado: 1 de jun.


Excerto de “Tempo Rubato” de A. Hirsh, para guitarra clássica
Excerto de “Tempo Rubato” de A. Hirsh, para guitarra clássica

Na música, o tempo é moldado com a mesma facilidade com que uma criança molda uma bola de plasticina. Cada melodia tem o seu tempo certo, descrito pela anotação tempo giusto. Contudo, este tempo não é rígido, pode ser roubado, pode ser: tempo rubato. Roubar tempo é uma liberdade concedida ao maestro ou ao intérprete; porém, implica a sua devolução. Numa melodia, pode-se acelerar o andamento, desde que se compense essa aceleração com um retardamento exatamente igual, por forma a que, no final, a duração seja a mesma. Para permitir uma maior liberdade, acrescentaram-se anotações como a capriccio (ao capricho), a piacere (à vontade), ou ad libitum (com liberdade). Mais liberdade no tempo musical permite entender melhor os sentimentos do intérprete ou do maestro.



A técnica


O tempo rubato é uma técnica de interpretação musical que permite ao executante alterar, de forma expressiva, a duração de certas notas sem modificar o andamento médio da peça. Consiste em atrasar ou adiantar ligeiramente notas ou frases, por forma a compensar essas variações dentro do mesmo compasso ou período musical. O rubato não elimina o ritmo interno, que deve manter-se constante e perceptível, mesmo quando não é explicitamente marcado. A sua aplicação exige grande sensibilidade e controlo, pois qualquer liberdade rítmica deve preservar a coerência estrutural da música.


Existem duas formas principais de rubato. No rubato melódico, a linha melódica varia em relação ao tempo, enquanto o acompanhamento mantém o ritmo estável. Este tipo é comum no piano, quando a mão direita se liberta do tempo fixo, mas a esquerda sustenta a regularidade métrica. No rubato agógico, o intérprete introduz pequenas variações de tempo em notas isoladas, sem alteração do ritmo geral, para acentuar expressivamente certos momentos. O rubato actua como um desvio intencional e momentâneo, subordinado à lógica musical e ao fraseado.

Não se trata de tocar fora de tempo, mas de manipular o tempo com precisão, por forma a respeitar a arquitectura rítmica e a intenção estilística da obra.

O vídeo "What Does Rubato Mean in Music?" do canal LivingPianos explica o conceito de rubato como a liberdade de alterar ligeiramente o tempo numa interpretação musical para expressar emoção, sem perder o ritmo geral. O pianista demonstra como aplicar rubato com equilíbrio e intenção artística.




Origens e Primeiros Registos


A ideia de alterar o tempo de forma expressiva já se encontrava implícita em práticas musicais orais muito antigas, mas o conceito formal de rubato começou a ganhar reconhecimento durante o Barroco (séc. XVII e XVIII). Compositores como Girolamo Frescobaldi recomendavam que os intérpretes não mantivessem um andamento rígido, especialmente em peças expressivas, como as toccatas.


Contudo, no Barroco, o rubato era diferente do que se viria a tornar no século XIX: normalmente, no piano, apenas a mão direita (melodia) era livre, enquanto a mão esquerda (baixo contínuo) mantinha um ritmo regular. Este tipo de rubato é por vezes designado por rubato contramétrico.



Banda Filarmónica


O tempo rubato não se limita ao piano e pode aplicar-se plenamente à interpretação em banda filarmónica. Embora seja mais comum encontrá-lo em contextos pianísticos, sobretudo na música romântica, a sua aplicação em conjuntos maiores também se verifica quando há intenção expressiva que justifique variações subtis no ritmo.


Numa banda, o rubato pode surgir através da direcção do maestro, que conduz ligeiras alterações no andamento para reforçar o carácter de uma frase, atrasando ou adiantando certas entradas de forma intencional.


Pode também manifestar-se em solos instrumentais, quando um executante conduz a linha melódica com alguma liberdade rítmica, enquanto os restantes mantêm a estabilidade do acompanhamento.


Em momentos líricos ou de grande expressividade, toda a banda pode participar nesse desvio colectivo, desde que mantenha a coesão rítmica interna e respeite a lógica musical da obra. O rubato, nesse contexto, exige uma escuta atenta e um entendimento profundo entre maestro e músicos, para que a flexibilidade rítmica enriqueça a interpretação sem comprometer a estrutura da peça.




HISTÒRIA



A Consolidação no Período Clássico


Durante o período Clássico, o uso do rubato tornou-se mais subtil. Mozart, por exemplo, fazia referência à prática nas suas cartas, criticando intérpretes que abusavam desta liberdade. O rubato era então entendido como uma leve variação de tempo dentro de uma frase musical, sem comprometer o compasso geral da obra.



Apogeu no Romantismo


O tempo rubato atingiu o seu apogeu no século XIX, especialmente com os compositores românticos. Artistas como Frédéric Chopin, Franz Liszt e Robert Schumann fizeram do rubato uma característica central da sua linguagem expressiva.


Em Chopin, por exemplo, o rubato era uma extensão da fala: a música ganhava inflexões humanas, como se respirasse. É notório que muitos dos seus alunos aprendiam rubato de forma oral, através da imitação directa, pois era difícil codificar essa prática num sistema notacional fixo.


Liszt, por sua vez, elevou o rubato ao domínio do espectáculo: as suas rubricas interpretativas combinavam variações de tempo com mudanças de dinâmica e articulação, por forma a criar efeitos teatrais e intensamente pessoais.



Declínio e Transformação no Século XX


Com a ascensão das gravações sonoras e a crescente padronização da performance, o uso do rubato sofreu uma moderação. A música do século XX, mais marcada por estruturas rítmicas rigorosas (como no dodecafonismo ou no minimalismo), reduziu o papel desta prática.


No entanto, alguns intérpretes mantiveram viva a tradição do rubato expressivo, especialmente no repertório romântico. O jazz, curiosamente, introduziu formas novas de flexibilidade rítmica — como o swing — que, embora distintas do rubato clássico, partilham a ideia de liberdade interpretativa dentro de uma estrutura regular.



Fora da música


 Fora da música, quando o tempo é livre, sabe melhor; parece-nos mais natural. Quando é organizado, é mais eficaz mas parece-nos mais artificial.


Alterar os nossos ritmos naturais, adaptá-los aos outros ou às situações, é uma condição para conseguirmos viver em conjunto e de forma civilizada. Somos os maestros do nosso tempo, mas só até certo ponto. Podemos roubar algum tempo desde que o devolvamos, e temos raros momentos de total liberdade de andamento. Mais depressa ou mais devagar, com mais ou menos compensações temporais, há sempre a certeza de que os acontecimentos se vão sucedendo do passado para o futuro.


O tempo rubato é mais do que uma técnica: é uma filosofia interpretativa. Representa a tentativa do intérprete de infundir vida e emoção à música escrita, para estabelecer assim uma ponte entre a rigidez da partitura e a fluidez do gesto humano. Embora a presença nas partituras possa ser discreta ou mesmo ausente, a sua importância histórica é imensa, sendo uma das expressões mais refinadas da liberdade na arte musical.

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