Enxara do Bispo: História, Património e Onde Ficar

Nuno Margalha
6 de set.
6 min de leitura

O topónimo Enxara tem origem árabe, derivando de an-xara, termo usado para designar charneca inculta ou matagal. Esta designação reflecte a paisagem árida e pedregosa da região, que, ao longo dos séculos, foi sendo transformada em terras de cultivo férteis. O complemento “do Bispo” deve-se ao facto de estas terras terem pertencido ao bispado de Lisboa, herança que ficou registada no nome da povoação.

Primeiros registos medievais

A Enxara do Bispo surge documentada desde o século XIII, através da referência à Igreja de Santa Maria de Enxara, então sob jurisdição episcopal. Em 1241, um diploma régio reconheceu formalmente o padroado do bispo de Lisboa sobre a igreja. Poucos anos depois, em 1264, o rei D. Afonso III perdoou aos moradores de Enxara do Bispo a colheita régia, em sinal de apreço pelo bispo D. Mateus. Estes episódios confirmam a ligação estreita entre a comunidade local e o poder eclesiástico.

A igreja matriz e a vida paroquial

A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, hoje classificada como Imóvel de Interesse Público, é o principal monumento religioso da freguesia. As primeiras referências a um templo no local datam do século XIII, mas o edifício actual foi erguido nas primeiras décadas do século XVI e sagrado a 8 de Outubro de 1534, data gravada numa cartela da fachada. Nos séculos seguintes, o interior foi enriquecido com azulejos, pintura e talha dourada, e a fachada sofreu remodelações de gosto barroco no século XVIII, consolidando a importância da igreja como centro da vida espiritual e comunitária.

A antiga vila de Enxara dos Cavaleiros

A poucos quilómetros da Enxara do Bispo localiza-se a Enxara dos Cavaleiros, que recebeu foral manuelino em 1519 e chegou a ser sede de concelho. Possuía pelourinho próprio, hoje também classificado como Imóvel de Interesse Público. Durante a Idade Moderna, a vila manteve relativa importância administrativa, mas as reformas liberais do século XIX alteraram profundamente esta realidade:

1836 – reorganização administrativa no país;
1847 – extinção do concelho de Enxara dos Cavaleiros, integrado no de Torres Vedras;
1855 – extinção do concelho da Azueira, ficando a Enxara do Bispo definitivamente integrada no concelho de Mafra;
1939 – desanexação da freguesia de Vila Franca do Rosário;
2013 – criação da União das Freguesias de Enxara do Bispo, Gradil e Vila Franca do Rosário, no âmbito da reorganização administrativa nacional.

A Serra do Socorro: arqueologia e defesa

A Serra do Socorro, ponto mais elevado da região (cerca de 395 metros), é uma antiga chaminé basáltica que domina a paisagem envolvente. No topo conserva-se a Ermida de Nossa Senhora do Socorro, construída em local onde existiu um povoado fortificado da Idade do Ferro, reutilizado em época romana e medieval.

Durante as Invasões Francesas, a serra ganhou importância estratégica: ali foi instalada a estação central do sistema de telegrafia óptica das Linhas de Torres Vedras, permitindo a transmissão rápida de ordens do Quartel-General do duque de Wellington em Pêro Negro para as diversas fortificações. Nas imediações ergueram-se os redutos conhecidos como Forte Grande (obra 28) e Forte Pequeno (obra 29), ambos de 1810. O primeiro, em forma de estrela, tinha seis canhoneiras e alojava cerca de 280 soldados; o segundo, voltado para a estrada de Torres a Lisboa, possuía três peças de artilharia e uma guarnição de 270 homens. Estes fortes integravam a primeira linha defensiva contra o avanço napoleónico.

A vida rural e comunitária

A Enxara do Bispo desenvolveu-se sobretudo através da agricultura, com destaque para a produção de cereais, vinha e oliveiras. Os terrenos da charneca foram sendo progressivamente aproveitados com socalcos, muros e poços. A Rota das Enxaras (PR2 MFR), hoje dinamizada pela Câmara Municipal de Mafra, dá a conhecer este património rural e etnográfico, ligando campos cultivados, eiras, capelas e casas tradicionais.

As Memórias Paroquiais de 1758, respondidas pelo pároco local, referem que a freguesia contava então com cerca de 50 vizinhos, o que atesta a dimensão modesta mas consolidada da comunidade em pleno século XVIII.

Identidade e símbolos

O brasão de armas da antiga freguesia ostenta uma mitra episcopal, símbolo da ligação histórica ao bispado de Lisboa. Este elemento heráldico é uma recordação da designação “do Bispo”, que continua a marcar a identidade local.

As Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré — Setembro 2025

A Enxara do Bispo volta a ser o centro de uma celebração aguardada: as Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré, que terão lugar entre 12 e 21 de setembro de 2025. É uma ocasião de fé, música e convívio, marcada para muitos como um momento de reencontro coletivo após 17 anos — tempo decorrido desde a última visita da venerada imagem à freguesia.

O ponto alto do programa será a Serenata de Louvor a Nossa Senhora da Nazaré — “Em Canto e Fé”, agendada para o dia 17 de setembro. Este evento litúrgico-musical inclui a estreia de uma composição musical inédita, organizada especialmente para a efeméride e inserida no Círio da Prata Grande.

Dentro do contexto do Círio da Prata Grande — tradição que percorre 17 freguesias da região Oeste — a Enxara do Bispo será, este ano, uma das anfitriãs da imagem de Nossa Senhora. Durante a festa, a comunidade local acolherá a imagem em procissões, momentos litúrgicos, concertos, sessões de fogo-de-artifício e animação cultural, corporizando o elo entre devoção religiosa e memória coletiva.

Onde ficar na Enxara do Bispo

Apesar de pequena, a Enxara do Bispo e as aldeias vizinhas oferecem várias opções de alojamento, sobretudo em regime de turismo rural e alojamento local, muitas delas com avaliações excelentes.

Alojamento na própria Enxara do Bispo

Casal do Moinho – Unidade de alojamento local com piscina exterior, jardim e espaços familiares. Avaliação: ≈ 9,0/10 – Excelente.
Moinhos da Gozundeira – Casas de turismo rural adaptadas de antigos moinhos, ambiente rústico e acolhedor. Avaliação: ≈ 8,5/10 – Muito Bom.
Quintal do Freixo – Alojamento Local – Espaço emblemático, boa relação qualidade/preço. Avaliação: 5/5 – Excelente.
Casinha de férias T0 no campo – Pequena casa para duas pessoas, simples e confortável, ideal para escapadas tranquilas.

Quintas e casas de campo próximas

Quinta da Murnalha (Azueira) – Quinta de turismo rural com piscina e jardim, estilo requintado e confortável. Avaliação: ≈ 9,9/10 – Excepcional.
Quinta da Morgadinha House (Vila Franca do Rosário) – Casa remodelada em estilo moderno, com espaços comuns acolhedores. Avaliação: ≈ 8,6/10 – Fabuloso.
Quinta da Almiara (Gradil) – Quinta vinícola com alojamento integrado em ambiente de enoturismo. Avaliação: ≈ 9,1/10 – Soberbo.
Quinta do Portal Guest House – Turismo rural familiar, com piscina, jardim e ambiente romântico.

Outras opções na região próxima

AL – HaoleGuestHouse (Sobral de Monte Agraço) – Alojamento local tranquilo e próximo da Enxara. Avaliação: ≈ 8,2/10 – Ótimo.
Moinho do Duque (Runa) – Moinho restaurado, com piscina exterior sazonal. Avaliação: ≈ 8,4/10 – Ótimo.
Quinta do Brejo – Turismo Equestre (Malveira) – Quinta vocacionada para amantes de cavalos, com ambiente rural sofisticado. Avaliação: ≈ 9,1/10 – Soberbo.
Quinta da Abelheira 1660 (Sobral da Abelheira) – Quinta histórica de grande elegância e autenticidade. Avaliação: 10/10 – Excepcional.
Casas de Campo na Venda do Pinheiro e Malveira – Apartamentos e moradias em regime de alojamento local. Avaliação: ≈ 8,4/10 – Muito Bom.
Hotéis em Mafra – Diversas opções de média e alta categoria a 15 minutos. Avaliações médias: 8,5–9,0/10.
Hotéis em Torres Vedras – Oferta variada de alojamentos urbanos, a menos de 20 minutos. Avaliações médias: 8,0–8,8/10.

A história da Enxara do Bispo reflecte a longa transformação de uma antiga charneca em território agrícola, marcada pela presença do bispado de Lisboa, pela importância da vizinha Enxara dos Cavaleiros e pela relevância estratégica da Serra do Socorro nas Linhas de Torres Vedras. O património religioso e militar, bem como a memória comunitária preservada em arquivos como as Memórias Paroquiais de 1758, testemunham uma continuidade histórica que chega aos nossos dias, agora integrada na União das Freguesias de Enxara do Bispo, Gradil e Vila Franca do Rosário.

Referências úteis

Câmara Municipal de Mafra. Enxaras – Toponímia e História Local. Disponível em: cm-mafra.pt
Junta de Freguesia da União das Freguesias de Enxara do Bispo, Gradil e Vila Franca do Rosário. História da Freguesia. Disponível em: ebispogradilvfrosario.pt
DGPC/SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico:
- Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Assunção (Enxara do Bispo) – monumentos.gov.pt
- Forte Grande (obra 28) e Forte Pequeno (obra 29) – Rota Histórica das Linhas de Torres rhlt.pt
- Ermida de Nossa Senhora do Socorro – ficha SIPA
- Pelourinho de Enxara dos Cavaleiros – ficha SIPA
Mário Farelo (2024), As inquirições de testemunhas no conflito entre a cidade e o bispo de Lisboa…, Revista Análise Social.
Memórias Paroquiais de 1758 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, vol. 13, n.º E-25).
Pinho Leal (1873-1890), Portugal Antigo e Moderno, vol. VII – referência a Enxara do Bispo e Enxara dos Cavaleiros.
Instituto Nacional de Estatística (INE), Censos 2021 – dados demográficos da União das Freguesias.
Lei n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro – reorganização administrativa das freguesias.